Eu me certifico
de todos os lugares onde deixei papéis avulsos para manter uma distância do
questionamento de Clarice. Mesmo assim, sua prosa me persegue. Eu a ouço perguntar
“se você fosse você, como seria e o que faria?”. E não me sinto bem.
“Se eu fosse eu”
parece o maior dos mistérios – e o mais tentador. Eu experimentei mover a
mentira que me acomodara como sugerido pela autora e o cenário que visualizei
me causou mal estar. Essas linhas não revisadas são a bile, último ato antes de
me esgotar por completo.
Não quero mais
pensar, mas “se eu fosse eu”, a minha aparência seria outra e meus amigos não
me reconheceriam. A minha voz seria ouvida em uma mesa de bar porque eu falaria
tão alto e gargalharia mais alto ainda. Se eu fosse eu, todos saberiam a cor
dos meus olhos.
Se eu fosse eu, a
minha dor não poderia mais ficar escondida. No entanto, quem é que suportaria a
ausência dos disfarces? Há um abismo que precisa ser mantido. Estou certa de
que ocultar a dor é uma forma de desviar a atenção do vazio que existe em mim.
Se eu fosse eu, haveria uma urgência de senti-la – e eu tenho medo.
Passados esses
primeiros devaneios, certifico-me dos lugares onde guardei os papéis, porque se
eu fosse eu, eu nem escreveria.
E escrever,
curiosamente, é o que mais me aproxima do entendimento que tenho de quem eu sou.
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