Preciso confessar a felicidade que
senti ao me deparar com Vá, coloque um
vigia, de Harper Lee na Livraria
Cultura do Conjunto Nacional. Já faz algum tempo que li O sol é para todos e eu sabia que havia uma continuação. Então, assim que vi um dos exemplares dessa
sequência, eu o peguei e o coloquei perto do peito, como se estivesse abraçando
alguém muito querido. Por mais que me interessasse por outros títulos, sabia
que levaria aquele comigo.
Comecei a leitura no mesmo dia. Jean
Louise (ou Scout), a protagonista de O
sol é para todos, está com 26 anos de idade, mora em Nova York e
ocasionalmente, volta para Maycomb, no Alabama, para visitar o pai, Atticus
Finch, sua tia Alexandra e o amigo de longa data, Henry. A viagem, que costuma
ser agradável, torna-se árdua quando Jean Louise descobre verdades sobre sua
família. Estamos na década de 50 do século passado.
A partir de uma reunião no tribunal da
cidade, Scout percebe que seu pai, a pessoa que mais admirava em toda vida, é
um homem conservador, racista – que assiste a reuniões da Ku Klux Klan e se
opõe à igualdade racial promovida pela Suprema Corte norte-americana. Vale
ressaltar que quando Jean Louise tinha 8 anos, na década de 30, seu pai
defendeu um homem negro acusado de estupro, portanto, em O sol é para todos, temos a percepção de que Atticus é contra a
discriminação, uma vez que não o diferencia de outros clientes brancos.
A realidade causa angústia à
protagonista, que se sente enganada pelo pai:
“O
único ser humano no qual ela confiava completamente, com toda a sua alma, a
decepcionara. O único homem para o qual podia apontar e dizer, com certeza
absoluta, ‘É um cavalheiro. É um cavalheiro de educação’, a tinha traído
pública, completa e descaradamente.” (Página
105).
No decorrer da narrativa, Scout tem
alguns flashbacks de sua infância e
adolescência que hoje, são percebidos a partir de outro olhar – o de uma mulher
de 26 anos que, em sua meninice, “era
incapaz de distinguir as cores” (página 113). Uma das cenas mais intensas do
livro é quando ela encontra Calpúrnia, a mulher negra que cuidou dela e de seu
irmão quando eram crianças – uma das personagens mais interessantes de O Sol é para todos. Após 20 anos, Jean
Louise vai visita-la e Calpúrnia a trata como costumava tratar as visitas que
Atticus, seu patrão, recebia em casa – com muita formalidade.
“Jean
Louise ficou olhando boquiaberta a velha mulher. Estava sentada com a altiva
dignidade que assumia em ocasiões formais, que vinha acompanhada por uma
gramática descuidada. Se o mundo tivesse parado de girar, as árvores tivessem
congelado e o mar tivesse devolvido seus mortos, Jean Louise não teria notado.”
(Página 146).
Cal não enxerga mais a menina que
cuidou como uma filha há 20 anos. O que ela vê na sua frente é uma mulher branca,
apenas.
“-
Cal – disse chorando. – Cal, Cal, Cal, o que está fazendo comigo? O que houve?
Sou sua menina, lembra? Por que está me ignorando? Por que faz assim comigo?” (Página 147).
Uma narrativa intensa, emocionante e
de muitas descobertas. Certamente, quem já leu o primeiro livro vai se
angustiar e sofrer, assim como a protagonista, ao perceber quais são as
verdadeiras relações entre as personagens e seus posicionamentos políticos,
especialmente o de Atticus. Contudo, ainda que haja uma decepção, é importante
nos lembrarmos de que o pai de Jean Louise era um homem de seu tempo e,
infelizmente, o racismo era defendido cientificamente naquela época.
Por outro lado, há uma esperança
quando olhamos para Scout, que apesar de estar inserida neste contexto, tem a
percepção de que a segregação racial e o preconceito, tão presentes no Sul dos
Estados Unidos no período em questão, são ideias desprezíveis, absurdas,
irracionais. Para ela, os negros devem ter os mesmos direitos que os brancos,
algo que seu pai não acredita – e algo que a fará perder toda a admiração por
ele.
“O
vigia de cada um é a sua própria consciência.” (Página 239).
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