Minha vida de menina é o
diário de Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant, uma
adolescente de Diamantina que viveu no final do século dezenove. Durante três
anos, incentivada pelo pai, Helena compartilha o seu cotidiano e transforma o seu
diário numa espécie de melhor amigo.
Iniciando em 1893, somos
apresentados a uma sociedade fundada nos valores e preceitos da monarquia e do
catolicismo. A avó de Helena, Sinhá Teodora, é uma ex-dona de escravos, mas que
ainda conta com o trabalho destes homens e mulheres que não têm para onde ir e
ficam em sua fazenda. O pai de Helena vive na busca incessante de encontrar
diamantes e a mãe, é uma dona de casa que vive para o marido e os filhos.
Helena frequenta a Escola
Normal e é uma aluna “vadia”, como ela mesma e os professores costumam dizer,
já que não estuda tanto quanto deveria e sempre dá um jeito de colar nas provas. Sua rotina sofre poucas
oscilações ao longo dos anos: da escola para a casa da avó ou de amigos e
familiares. São todos muito devotos aos santos da igreja católica,
especialmente a mãe, ainda que o pai, descendente de ingleses, contribua com uma formação protestante e liberal. Levam uma vida simples, mas muito bem vivida. Em um dia
semana, Helena e Luisinha, sua irmã mais nova, ajudam a mãe com os afazeres
domésticos.
Minha Vida de Menina é um
relato biográfico, social e histórico. Durante a leitura, nos deparamos com o
racismo, como o dia em que numa pequena encenação para a família, um dos primos
de Helena joga farinha num negro, para que ele ficasse branco ou quando a
própria Helena se indaga a respeito das pessoas que sentiam pena dos escravos.
Para ela, a ausência de trabalho é que a deixaria infeliz (página 143). Esses e
outros casos contribuem para uma reflexão acerca da sociedade brasileira cinco
anos após a abolição da escravatura, especialmente no que diz respeito à
relação de trabalho entre brancos livres e negros recém-libertos que se
estabeleceu e o preconceito racial nos primeiros anos da República.
A partir de seu diário,
também podemos identificar o patriarcalismo ainda tão presente em nossa
sociedade. O avô de Helena escolheu o marido de todas as filhas e elas só
conheceram o pretendente no dia do casamento. Isso não se aplica à mãe de
Helena, que casou-se após a morte do pai.
“Meu avô aceitava para as filhas o marido que lhe agradasse e se
casava sem consultá-las. Ele tinha dez filhas. Os pretendentes pediam às vezes
uma das filhas e ele respondia: ‘Esta, não; está muito moça. Vá aquela que é
mais velha’”. Página 285.
A autora viveu num período
de transição entre o segundo reinado e a proclamação da república – e escreveu seu diário entre
1893 a 1895, dos 13 aos 15 anos. Logo, ela acompanhou, ainda que muito nova, as
mudanças na política, como por exemplo, a posse do primeiro presidente eleito
de forma direta, Prudente de Morais. Para ela, a mudança do presidente não
afeta a sua vida em Diamantina.
“Eu sempre digo ao meu pai que não pode entrar na minha cabeça
que tenha alguma influência para nós aqui na Diamantina mudança de presidente.
Meu pai diz que tem toda, que o governo é uma máquina bem organizada e que o
presidente sendo bom e fazendo bom governo beneficia o Brasil inteiro e chega
até aqui para nós. Eu lhe disse que só poderia acreditar nisso se o presidente
mandasse canalizar a nossa água e consertar o nosso calçamento.” Página 195.
Helena também observa com
seu olhar de menina como o machismo diferencia homens e mulheres que fazem o
mesmo trabalho. Em um trecho do livro, Helena comenta que acha curioso todo
mundo dizer que seu pai é um bom marido e ninguém dizer que a mãe dela é uma
boa mulher. Ainda que cuide da casa, dos filhos e do homem, dona Carolina, aos
olhos da sociedade, não faz mais do que a sua obrigação e não há méritos nisso.
Poderia citar outros trechos tão importantes
para analisarmos o contexto sócio-histórico-ideológico em que Helena viveu, mas
estes são suficientes para apontar que além de ser uma obra aclamada por
escritores como Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa e por humildes
leitores, como Ana Polo, Minha Vida de Menina é um documento histórico sobre
uma menina que viveu no final do século dezenove e que relata, com muito humor,
seu cotidiano e seus sentimentos mais íntimos.
Ao terminar a leitura, a
sensação é de proximidade com a autora, como se tivéssemos compartilhado os
mesmos dias na chácara, os passeios em Boa Vista, as inquietudes de uma
adolescente de 13 anos e todos os outros momentos que fazem parte do enredo.
Helena ou Alice, torna-se parte de nossa rotina também.
Boa tarde. Já comecei a ler o livro e gostei muito dis detalhes da autora. Att
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