Nós passamos quatro anos estudando apenas aquilo. Fizemos
leituras teóricas acompanhados de um bom dicionário ou de lenços de papel.
Durante esse período, nossos finais de semana foram reduzidos a fichamentos e
análises contextualizadas, que nos renderam dores no pulso e enxaquecas.
Participamos de pesquisas e escrevemos artigos apresentando os resultados
alcançados. Esquentamos marmita no refeitório, pegamos metrôs e ônibus lotados,
perdemos a carteirinha, esquecemos de devolver aquele livro para a biblioteca.
Planejamos aulas e aplicamos com os nossos colegas ou alunos que integraram o
nosso estágio. A cada semestre, avaliações cobravam teorias que demorávamos a
fixar, ou no meu caso, apreender. A cada semestre, ficávamos mais ansiosos para
concluir e mais temerosos pelo trabalho de conclusão de curso e o mercado de
trabalho. Diversas vezes pensamos em desistir. Uma vez por dia, para ser mais
exata. Contudo, o amor pela profissão e pelo aprendizado adquirido naquele
ambiente, mantém nossos pés firmes na sala de aula, nosso caminho de todos os
dias para a universidade.
Tudo isso passamos em quatro anos. Todos os anseios, inseguranças, frustrações,
mas também toda a satisfação, a realização de um sonho e o aprendizado. Aliás,
a vida profissional e pessoal se entrelaçam nesse período. Não sabemos mais
administrar as amizades com a mesma aptidão da adolescência. E assim, alguns
amigos vão ficando pelo caminho, permanecendo apenas a lembrança dos momentos
bons que foram vividos.
Essa trajetória me enche de orgulho, mas também me
espanta. Quando paro para refletir que tenho apenas vinte e três anos e que já
sou graduada, sinto um peso enorme em meus ombros. Parece que foi ontem que me
formei, que estava estudando Vygotsky, Saussure, Skinner, Bosi, Cunha, Koch,
Bagno. Linguística 1, 2, Literatura Portuguesa, Brasileira. Literaturas de
língua inglesa. Parece que foi ontem que ouvi pela primeira vez o termo
“preconceito linguístico” e que me senti como Drummond – enquanto a professora
falava sobre variações, ela desmatava o amazonas de minha ignorância.
Perco a noção da hora quando penso em tudo isso. E em
meus devaneios, quando olho para onde estou agora, concluo que a faculdade me
ensinou muito, mas não me ensinou tudo. A faculdade me ensinou a corrigir uma
produção textual, priorizando sempre os aspectos relacionas à coesão e à
coerência, mas não me ensinou a entregar a redação corrigida repleta de
anotações, para aquele aluno que se sente inseguro ao escrever. A faculdade me
ensinou a preparar uma aula, pensando em metodologias, contexto sócio-cultural
do aluno, além dos exercícios de fixação se o assunto for morfossintaxe, mas
não me ensinou a ter jogo de cintura quando as coisas não saem conforme o
planejado. A faculdade me ensinou a analisar uma obra literária, partindo
sempre do contexto sócio-histórico-cultural em questão, enfatizando que estudar literatura é também estudar o
Homem e sua relação com o mundo, mas não me ensinou a superar a resistência dos
alunos quando pedimos que eles leiam Machado, Guimarães, Eça.
Essas vivências somente são adquiridas quando saímos da
faculdade, quando enfrentamos a realidade das escolas, da Educação de nosso
país, mas principalmente, quando entendemos que trabalhamos diariamente com
formação de pessoas.
Outra expressão que me assusta. Como posso formar alguém?
O que devo fazer quando um aluno se revolta por conta da nota? O que devo fazer
quando um aluno virar a cara para mim, porque não arredondei sua média? Como me
portar em situações como essas, como mostrar ao meu aluno que quero contribuir
com a sua formação e não deixá-lo inseguro, como eu fui um dia? Como posso
explicar que não estou contra ele, mas que quero caminhar do lado dele, oferecendo
o que há de melhor em mim?
Todas as perguntas convivem diariamente comigo. Elas me
acompanham na escola, me visitam quando deito em minha cama, me assustam quando
passo por situações que ainda não vivenciei. Algum dia, tudo isso será
experiência e poderei acalmar colegas recém-formados em licenciatura, caso isso
aconteça com eles. Por enquanto, sigo aprendendo todos os dias o que a
faculdade não me ensinou.
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