A gente não percebe a mudança. Quer dizer, não de cara.
Começa com um amigo, dizendo que você está muito distante. Depois, seus pais
reclamam que você trabalha demais, que precisa descansar. Até perguntam sobre
aquela série que você abandonou e a pilha de livros que ocupa mais espaço do
que as suas roupas. O corretivo e a base acabam rapidamente; uma tentativa
frustrada de disfarçar suas olheiras.
Um sentimento de culpa surge cada vez que você troca a
pilha de trabalho por um dia no parque ou algumas horas a mais na cama, mas
você o ignora. Seu círculo de amizade se reduz. Você tende, intencionalmente ou
não, a passar mais tempo com os seus pares, porque há um conforto em saber que
o outro não faz perguntas e nem pede contas de sua ausência. Afinal,
compartilham da mesma rotina.
Relacionamentos? Ah, só a palavra já lhe pesa as
pálpebras. Você é tomado por uma preguiça, prefere mudar de assunto, falar
sobre o tempo, as notícias do dia, qualquer outra coisa menos complicada. As
pessoas não se aproximam mais de você, julgam-lhe muito séria, muito ocupada.
Está sempre fazendo algo. Por outro lado, você também não sente tanta vontade
de sair. O flerte não lhe atrai. E em sua cabeça, não há espaço para o que você
se acostumou a chamar de problema.
Ainda assim, consegue dedicar alguns minutos do seu dia a
si mesmo. Prepara um café, assiste a um programa qualquer, dorme cinco
minutinhos a mais. Por um tempo relativamente curto, tenta se esquecer das
responsabilidades, dos boletos, das cobranças. Presta atenção no barulho da
chuva. Pega o computador e começa a escrever um texto. Passa para as linhas do
Word o emaranhado de sensações que existem dentro de você. Respira fundo.
Respira fundo mais uma vez...
E volta.
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